sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

É PRECISO REPENSAR A ORGANIZAÇÃO DOS SERVIÇOS DE VETERINÁRIA EM ÁFRICA

OBS: Editado na Revista ESPORO. CTA. Nº 10. Junho 1995.

INTRODUÇÃO

A organização dos Serviços de Veterinária em África seguiu o modelo adoptado pelo país organizador, não tendo em conta as especificidades dos sistemas de produção animal e os condicionalismos locais das várias regiões agro-ecológicas e sócio-culturais africanas.
Depois da independência, a maior parte dos países africanos manteve a mesma organização dos Serviços de Veterinária que, baseada em sistemas de produção animal diferentes dos sistemas utilizados em cada uma das regiões de África, nunca serviu os criadores do sector familiar africano.
As diferenças culturais e sócio-económicas, os objectivos da produção animal, a organização do mercado, as infra-estruturas e as tecnologias colocadas à disposição dos criadores nos países colonizadores e colonizados não eram, evidentemente, comparáveis. No entanto, e lamentavelmente, ainda hoje algumas soluções técnicas, frequentemente apontadas para a resolução dos inúmeros problemas da pecuária africana, continuam a não ter em conta esta realidade.
Os diferentes sistemas de produção correspondem à diversidade geográfica, ecológica, social, económica e cultural do continente africano. Esta diversidade tem de ser tida em conta na planificação do desenvolvimento pecuário de África, ainda que se considere o desenvolvimento como um processo complexo e gradual.

CONSEQUÊNCIAS
A introdução em África de diferentes sistemas de produção, durante o período colonial e depois das independências, com o objectivo de aumentar a produção e produtividade das várias espécies animais, conduziram muitos países africanos à introdução de novas tecnologias, ao estabelecimento de mecanismos de crédito, de programas de investigação, de esquemas de extensão rural e de programas de formação profissional que não estavam adequados à realidade africana. Em algumas regiões de África, os desequilíbrios provocados afectaram o meio ambiente físico e social e constituíram, e constituem ainda hoje, uma ameaça à sobrevivência dos efectivos pecuários e das próprias populações.
Em África, a contribuição do sector da pecuária no produto nacional bruto (PNB), embora tenha aumentado nos últimos anos, é geralmente baixa, oscilando entre 5 e 7% do total do PNB na África ao Sul do Sara e não atingindo os 20% do PNB agrícola. A escassez de recursos financeiros de um grande número de países africanos não entusiasma a classe política a dedicar ao sector agrícola a devida atenção.
Muitas políticas governamentais levaram à sedentarização das populações pastoris, provocando, com frequência, problemas sociais, políticos, económicos e ambientais nas áreas em que se fixaram. A destruição de zonas ecologicamente fracas, por uma forte pressão demográfica, pelo sobrepastoreio, pela sobre-exploração e abate de árvores para obtenção de lenha ou carvão, coincidindo com a diminuição da pluviosidade e a prática de cultura intensivas, ameaça de desertificação um grande número de países africanos.
O desconhecimento dos sistemas tradicionais de produção animal dos diferentes grupos étnicos (agro-pastores e pastores) que formam cada um dos países africanos, constitui, ainda hoje, a maior dificuldade para o estabelecimento de uma organização dos Serviços de Veterinária que corresponda às necessidades dos criadores nas várias regiões africanas. A intervenção dos Serviços de Veterinária sobre o sector familiar limita-se, tal como na época colonial, à programação e execução de campanhas de vacinação nas áreas mais acessíveis de África. A falta de recursos financeiros e a estrutura desajustada e extremamente centralizada dos Serviços de Veterinária, não permite uma maior intervenção junto dos criadores de gado do sector familiar.
Os relativos sucessos obtidos pelos serviços veterinários no combate a algumas epizootias e os investimentos realizados na hidráulica pastoril foram e são, certamente, importantes e necessários. No entanto, houve e continua a haver, infelizmente, uma grande desproporção entre os investimentos destinados à acção sanitária e os destinados aos recursos forrageiros e à alimentação dos animais.

CONCLUSÕES
Muitos esquemas de desenvolvimento têm sido aplicados nas extensas regiões de África mas, infelizmente, os resultados têm sido ilusórios porque não se conhecem com profundidade as populações que aí habitam, os seus problemas, as suas aspirações e a sua experiência. As consequências da aplicação contínua de políticas desajustadas estão bem patentes na situação sócio-económica de um grande número de países africanos.
Um melhor conhecimento e uma maior compreensão dos sistemas tradicionais de produção animal em cada uma das regiões étnicas de África e a participação e co-responsabilização das comunidades rurais, levaria ao estabelecimento de programas regionais, simples e pouco dispendiosos, que permitiriam o aumento da produtividade dos animais do sector tradicional. De acordo com alguns autores, a melhoria das técnicas de maneio e de assistência veterinária dos efectivos existentes, seriam suficientes para duplicar ou triplicar, am algumas espécies, as produções actuais nas comunidades africanas.
É urgente que as instituições governamentais ou de assistência, de acordo com os novos conceitos de desenvolvimento, encorajem as populações a organizarem-se e a participarem na planificação e execução dos seus programas de desenvolvimento, visando simultaneamente o aumento da população e da produtividade animal e a salvaguarda do meio ambiente.
Lamentavelmente, a maior dificuldade reside na transformação da mentalidade dos técnicos africanos e das agências internacionais de assistência técnica e financeira e na vontade política dos dirigentes de um grande número de países africanos.

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